Capítulo IV
As Salinas segundo Alfredo
Aparece a Margarida
“SALINAS DA MARGARIDA. O dist. das Salinas da Margarida fica situado na ponta da Margarida, entre a enseada da Conceição de Pirajuhia e o canal de Nazareth, de fronte da cidade de Itapagipe, da qual dista seis milhas, e da foz do rio Paraguassú.
Para oeste dessa enseada estendem-se os povoados da Conceição de Pirajuhia, com uma capella, da Ponta da Barra, com uma capella da Boa Esperança, e Barra do Paraguassú, na foz do rio deste nome; e para leste os povs. da Matta, Porto do Pamauá, Salimnopolis ou Porto da Telha, Encarnação, com uma capella, Mutá, Cações e Barreiras do Jacuruna, estes três pertecentes ao dist. de Jaguaripe.
O pov. das Salinas fica situado na ponta da Margarida, denominada por Mouchez ponta do Homem Morto, e entre o rio Santa Luzia e o impropriamente denominado rio do Araçá, que não é mais do que um braço do salgado. Fica, parte, em terreno plano com proporções e parte em um planalto para uma grande cidade. Compõe-se de duas praças, umas quatro ou cinco ruas, bastante largas e rectas, e outras perpendiculares a estas e mais estreitas e illuminadas a kerosene, tem 27 casas, todas pertencentes á Companhia das Salinas, uma egreja em construcção e duas escolas publicas, uma para cada sexo.
A pov. ainda está em começo; o pouco que ha feito é devido aos esforços do engenheiro Horácio Urpias Júnior e do Commendador Manoel de Souza Campos, que empregaram grandes capitaes em enormes aterros, no nivelamento do terreno e na edificação das primeiras habitações. Foram esses beneméritos cidadãos os fundadores das Salinas.
Contaram-me que os antigos proprietários do terreno, sobre o qual se ergue a aprazivel pov., foram três padres, que occupavam uma casa, onde celebravam missas e outras festividades religiosas em uma capella com a invocação de bastante extenso e Santa Quitéria.
Começou a aggrupar-se em tomo da residência dos padres um pequeno núcleo de população. Com o transcorrer dos tempos e com a morte dos três sacerdotes, o pequeno pov. desappareceu, ficando a ponta da Margarida deserta por mais de 50 annos. Havia no antigo pov. uma mulher preta, de nome Margarida, celebre pelo seu espirito religioso e que tinha grande ascendência sobre a população. A essa mulher deve a ponta o nome que ainda hoje conserva.
A povoação fica entre os muns. de Maragogipe e Jaguaripe e pertence ao de Itaparica, do qual constitue um dist. E' ligada á Itaparica e á Capital do Estado pelos vapores da Companhia Bahiana, que fazem uma viagem diariamente nos dias úteis As Salnas da Margarida abrangem uma grande área cortada por 1.700 tanques de diversas dimensões, inclusive 660 crystallizadores e egual numero de ahmentadores. Esses tanques recebem a agua salgada por meio de bombas centrífugas a vapor e um possante moinho de vento.
Apanhado o sal, é este conduzido em carros de ferro (Decauville), que caminham sobre trilhos, para grandes trapiches, sendo dous de 320 palmos de comprimento sobre 80 de largo e dous, os maiores, de 400 palmos de comprimento, sobre 100 palmos, um, e 118, outro, de largura, situados no porto de embarque, onde os navios atracam a uma ponte de madeira para carregar.
Esta ponte, de 210 palmos de comprimento total, pertence à Companhia das Salinas, que permitte que a ellas atraquem vapores do Lloyd.
Em uma casa de sobrado ficam as officinas da Companhia, as quaes se compõem de ferraria, fundição de bronze, serralheiro e carapinas. Em seguimento e quasi contíguas a estas salinas ficam outras no logar denominado Porto da Telha, ligadas á primeira por uma ponte de ferro sobre o riacho Carro Velho.
Possuem 2.000 tanques, 880 crystallizadores e outros tantos ahmentadores. A agua é fornecida para estes tanques por meio de quatro bombas centrifugas, a vapor; e o sal conduzido para dous dos trapiches, situados no porto de embarque, por meio de carros de ferro inglezes, tirados por duas locomotivas. Possuem ainda um moinho americano de vento, que suspende agua doce para alimentação das caldeiras. Para o interior das salinas erguem-se 17 casas para os operários, todas modernas e pertencentes á Companhia. A producção total das duas salinas é de 12 milhões de litros, nas grandes safras, producção que pôde ser augmentada a mais do dobro. A época apropriada para a safra 6 dos mezes de Outubro a Abril.
As salinas pertencem actualmente a uma Companhia anonyma com o capital de mil duzentos e cincoenta contos. O dist. é regado pelos rios Carro Velho, Santa Luzia, Bulcão, Mombaça, Cayrú ou Piahú e Araçá. Comprehende os povs. denominados Barra do Paraguassú, parte pertencente a Maragogipe, Cayrú, Conceição de Pirajuhia, Porto da Telha e Encarnação. Cerca-o uma extensa cordilheira, que vai de Cayrú até Nazareth e que recebe varias denominações locaes. E' nella que fica o grande pico da Pedra da Lettra.
Dou parabéns á minha sorte, que me proporcionou um ensejo feliz de visitar uma das mais bellas povoações do recôncavo da Bahia. E' impossível imaginar-se pontos de vista mais seductores dos que ella tão prodigamente offerece de qualquer dos seus lados. Foi nella que o Dr. Severino Vieira offereceu um pic-nic a os Chilenos, na sua ultima visita a esse Estado. Em companhia do engenheiro Urpias tomei um bond para percorrer as salinas.
Que passeio encantador! Pelo caminho modestas choupanas de sapé, escondidas em meio de grupos de dendezeiros e elevados coqueiros, com os troncos recurvados e os cimos coroados de palmas, cujas hastes, em forma de varetas de leque, se baloiçavam nos ares, agitadas pelo vento; e por uma vasta extensão um sem numero de tanques com agua salgada, represada por barachas e apresentando em sua superfície salpicos luminosos provenientesdo sol, que dardejava sobre ella suas palhetas de fogo. Nos tanques do Porto da Telha, separados dos da Margarida pelo riacho Carro Velho, ha a maior regularidade e symetria. Dividem-se em quatro grandes secções, todas percorridas na extensão de 1.300 metros por trilhos sobre os quaes correm locomotivas.
Ao regressar de tão agradável passeio, abracei o engenheiro Urpias, a quem se deve principalmente a construcção desse monumento industrial, que ahi está para mostrar quanto pôde o esforço, a perseverança e a competência de um homem, a quem peço yenia para proclamar um benemérito em nome do povo bahiano. A Deus rendo sinceras graças pelo brinde precioso que me fez, concedendo-me mais um amigo, tão distincto pelos dotes do coração e do caracter.”